Memórias

 

            Henri Bergson distingue dois tipos de memória: memória-hábito e a memória-recordação. A primeira, constituída pelo processo de socialização, representa formas de manifestação do passado no presente. A segunda é a verdadeira memória, revive o passado, sob a forma de imagens, abstraindo-se do presente. O passado é conservado por inteiro, sendo evocado sob a forma de lembranças ou sobrevivendo de forma inconsciente.

            Quando tiramos uma foto é aquele momento que desejamos preservar: reunião de família, celebração de uma conquista, comemoração do aniversário de alguém. Ninguém tem foto da surra que levou com espada de São Jorge, mas se lembra dela (“eu apanhei, nem por isso me revoltei contra os meus pais”- memória-hábito). A lembrança da surra não é agradável (você se lembra dos vergões - memória-recordação).

            Ao reconstituírem suas histórias, as mulheres que sofreram algum tipo de violência empreendem uma viagem de volta a sua memória, retirando da experiência vivida relatos permeados de emoção, nostalgia etc. A mulher transgride a engrenagem que levou ao esquecimento e à perda da arte de contar histórias. Trata-se de revisitar o passado e reconstruí-lo com o olhar do presente. Não é a voz do passado emergindo, mas a do presente, que recodifica vivências pretéritas com lentes atuais.

            Ao aceitar relatar sua história, a mulher consente em romper o isolamento e imergir em um processo de reflexão sobre o passado e o presente, contribui para dar visibilidade dos contornos da violência e ajuda a reescrever a crônica da família, não daquele idealizada e sacralizada, mas das famílias reais, lugares de afeto/ódio, solidariedade/violência. Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva. (Saffioti, Violência de Gênero – Poder e Impotência)

            Falar sobre o passado faz parte do processo de cura. E você tem se curado?

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