Ensaio: O olhar constitucional a grupos invisibilizados

Por Tânia Regina de Matos


         Para esta atividade avaliativa decidi falar sobre os(as) adeptos(as) de religiões espiritualistas que durante muito tempo ficaram cerceados (as) de professar suas crenças tendo em vista que catolicismo havia sido instituído como religião oficial no artigo 5º da Constituição de 1824, portanto, outras práticas foram marginalizadas, conforme ensina Misi e Coelho (2023).

            Fui evangelizada dentro da Doutrina Espírita, que é a religião dos meus pais, entretanto, cursei o ensino fundamental no Colégio Salesiano Coração de Jesus, experiência bastante traumática tendo em vista que me sentia excluída pelas freiras e colegas principalmente durante as aulas de religião, cujo conteúdo era totalmente católico. Após concluir o ginásio em 1984, comecei o ensino médio no Colégio Salesiano São Gonçalo em 1985 e terminei em 1987.

         Mas em ambos os colégios quando me apresentava como espírita, não raro, era alvo de piadas pelos meus colegas que diziam a palavra: “saravá” ou então benziam o próprio corpo gargalhando, ou até mesmo imitavam a incorporação de alguma entidade, portanto, o bullying religioso sempre existiu e jamais foi coibido pela coordenação/direção do estabelecimento forçando os alunos(as) não católicos a terem vergonha de sua crença, invibilizando-os(as).

 Somente em 1988 a Constituição Federal traz em seu bojo a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; mas ainda assim o que assistimos foi uma escalada da estigmatização das religiões espiritualistas e de matriz africana na mesma proporção em que houve o aumento da difusão das religiões pentecostais e ascensão de seus membros nos espaços de poder. Havia uma grande distância a ser percorrida entre a previsão normativa e a realidade social (Misi e Coelho, 2023).

Em 2015, na cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso, vândalos invadiram o Centro Espírita Associação “A Caminho da Luz” e atearam fogo no local. Em Cuiabá, no dia 1º de agosto do mesmo ano, uma casa que realizava cerimônia de umbanda teve parte da estrutura queimada.[1]

Em razão desses fatos, um setor exclusivo para investigar crimes motivados por intolerância religiosa foi criado pela Polícia Civil em Mato Grosso. A polícia não tinha até então um número oficial de casos de intolerância religiosa no estado.

         Por outro lado, começamos a perceber também pessoas assumindo suas raízes e se autoafirmando como espíritas, ou como do candomblé, da umbanda, e uma maior crítica às religiões tradicionais através dos programas humorísticos e essa foi talvez a mudança mais significativa que eu identifiquei nas garantias e proteções constitucionais ao longo do tempo, pois, a princípio somente as religiões espiritualistas e de matriz africana eram alvo de gozações e de piadas, fruto do racismo estrutural já que os negros eram a maioria de seus adeptos(as).

        No último final de semana assisti ao filme “Nas Ondas da Fé”[2], com Marcelo Adnet, uma sátira às religiões evangélicas, produção que seria impensável há 40 anos em razão da ditadura e da figura do censor, mas hoje, em razão da igualdade que deve prevalecer entre todas as crenças, além do ambiente democrático compromissado com os direitos humanos (Misi e Coelho, 2023) está sendo possível sua exibição.

        A liberdade de expressão na cultura é um elemento influenciador da discussão e da evolução da proteção dos direitos humanos. Ora, a lei protege os locais de culto e sua liturgia, mas o artista tem o direito de apontar as incoerências, os exageros e as contradições existentes em algumas igrejas que exploram a fé e os bolsos de seus fiéis, principalmente porque não há controle de onde se é aplicado os recursos “ofertados”.

      Para ilustrar minhas observações destaco este exemplo de mudança concreta na construção e interpretação das garantias constitucionais: “A lavagem das escadarias da Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito”, localizada em Cuiabá, é um evento que acontece desde 2016. Há sete anos a celebração ecumênica reúne pessoas de várias religiões com um único objetivo: simbolizar a fraternidade e a paz. Durante o evento, a lavagem das escadarias é marcada por uma caminhada cultural, com cânticos de hinos religiosos, toques de tambores, danças e água aromatizada.[3]

 Atividade avaliativa apresentada ao Curso de Direitos Humanos e contemporaneidade da UFBA.

REFERÊNCIAS:

Misi, Márcia Costa. Direitos humanos II: a normatividade dos direitos humanos no direito brasileiro / Márcia Costa Misi, Natalie Coelho. - Salvador: UFBA, Faculdade de Direito; Superintendência de Educação a Distância, 2023.

  

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