ENSAIO: POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS – conhecer para reconhecer

 Por TÂNIA REGINA DE MATOS - atividade avaliativa do Curso de DH e contemporaneidade, UFBA, Polo Vitória da Conquisa

 

            Busquei no Repositório Institucional da Universidade Federal de Mato Grosso uma pesquisa sobre Povos e Comunidades Tradicionais e me interessei pela tese de Bruna Mendes de Fava, cujo título é TURISMO DE RESISTÊNCIA: Fortalecimento comunitário e exercício de liberdade - comunidade Mutuca/Território Mata Cavalo – MT.

            Segundo Müller (2024), as comunidades tradicionais são grupos étnicos que possuem formas específicas de interagir com o ambiente e cosmologia própria, definida esta, como o inter-relacionamento da sociedade e da natureza.

            Desde a época em que estudava Direito, eu ouvia falar dessa comunidade e acompanhava pelos noticiários as decisões judiciais, hora mantendo os quilombolas na terra, hora concedendo reintegração de posse para fazendeiros do entorno, mas só passei a me interessar sobre o assunto quando fui indicada para compor o conselho deliberativo do Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos de Mato Grosso.

            Fava (2022) citando Barcelos (2011) explica que a formação do Território Mata Cavalo teve o início de sua trajetória em 1751, quando o bandeirante José Paes Falcão, após reivindicar terras nas proximidades de Livramento, MT, recebe a carta da Sesmaria Boa Vida (atual território Mata Cavalo) ao seu favor.

            A autora informa através dos estudos de Águas (2012) que a área foi oficialmente doada pelos proprietários aos moradores escravizados no dia 15 de setembro de 1883, por meio de um acordo feito entre os donos da terra.

            Fava, citando Moura (2009) esclarece que a venda das terras de parte da Sesmaria Boa Vida, que é posse dos quilombolas, deu-se por duas formas: por meio da doação de Ana Tavares às pessoas escravizadas, e pela venda de parte do território a negros livres. Em resumo, as terras foram concedidas aos seus descendentes por negros livres e não livres na época, que tinham o intuito de se estabelecer no local, como é o caso de Vicente Ferreira Mendes, quem deu origem à Associação da comunidade Mutuca. Assim, as famílias da Mutuca são remanescentes de terras compradas, portanto, possuem vínculos de parentesco com o ancestral livre que escolheu o território, e fez dele sua terra, posse de seu povo e local de formação e construção de memória coletiva negra.

            Os principais conflitos se deram nos anos 1940 quando os quilombolas do território Mata Cavalo foram expulsos das terras de forma violenta, respaldados pela lei de Terras, que fragilizava a posse das terras das pessoas desprovidas de recursos.

            Nos anos 1980 e 1990, iniciou-se um processo de retorno ao território, e, em 1996, ocorreu a mobilização política em favor dos direitos de trabalhadores/as negros/as rurais do complexo Mata Cavalo para o acesso à terra, revela Fava (2022) através de estudos de vários autores.

            O retorno, depois de duas décadas, para o território não ocorreu em condições seguras, e até hoje se veem em constante necessidade de se articularem pela resistência tendo em vista a morosidade do INCRA em resolver tal questão[1]. Mata Cavalo de Baixo, Mutuca, Mata Cavalo de Cima, Aguaçú, Ponte da Estiva e Capim Verde em 1999, receberam certificação da Fundação Cultural Palmares, considerada Complexo Mata Cavalo, dispostas em 14.700 hectares de terra, em área de transição entre o Cerrado e o Pantanal, com características peculiares desse primeiro bioma (FAVA, 2022 citando diversos autores).

            Através da contação de história, respeito as falas dos mais velhos, seus saberes e experiências são evocadas nos Muxiruns (momento de troca, união e celebração comunitária, plantação e colheita) e outros rituais coletivos que expressam suas identidades, práticas e cosmologias para manutenção cultural quilombola.

            O objetivo da autora com sua tese foi defender o turismo como ação contracolonial, alternativa de renda e fortalecimento comunitário da referida comunidade por meio do Projeto Baquité Sensorial que utiliza as águas de cheiro e descarrego - essências do quilombo; danças, como Cururu, Siriri; dança afro e congo; além da  gastronomia, como banana frita, licores e paçoca. Há ainda as festas de santos, a Festa da Banana, os artesanatos, suas práticas de cura com plantas e ervas.

            Para mim essa atividade avaliativa foi uma oportunidade de me inteirar um pouco da história de uma comunidade tradicional local, uma experiência que me proporcionou muito crescimento. Poder unir o gosto que tenho pelas coisas da minha terra com o conhecimento sobre o turismo de resistência, que nasceu da iniciativa de mulheres quilombolas residentes na localidade e dos seus saberes ancestrais foi incrível!

REFERÊNCIAS:

Fava, Bruna Mendes de. Turismo de resistência: fortalecimento comunitário e exercício de liberdade - comunidade Mutuca, território Mata Cavalo – MT, Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Comunicação e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Cuiabá, 2022.

 Müller, Cíntia Beatriz. Direitos dos povos e comunidades tradicionais. Salvador: UFBA, Faculdade de Direito; Superintendência de Educação a Distância, 2024.

 WERNER, Inácio José. ROSSI, Roberto. WITTER, Teobaldo.  Fórum de direitos humanos e da terra: relatório estadual nº 6: Mato Grosso: 2021: 50 anos da Carta Pastoral: uma igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social/organização, 1. ed. Cuiabá, MT: Centro Jesuíta de Cidadania e Assistência Social, 2021.



[1]  Iniciativa do Governo Federal para acelerar a legalização da grilagem de terras está relacionada com o Programa ‘Titula Brasil’, que busca firmar convênio com municípios para aumentar a capacidade operacional dos procedimentos de titulação e regularização fundiária das terras pertencentes à União e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA. Mato Grosso é o campeão em solicitações, dos 141 municípios, 67 municípios já aderiram ao programa. Vale ressaltar que, com isso a legalização das terras griladas estará nas mãos de prefeitos, ligados diretamente ao agronegócio, a grilagem e a exploração de terras em Mato Grosso, em outras palavras, é colocar ‘a raposa cuidar do galinheiro’.

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