Quem é seu próximo?
Dá para levar ao pé da letra esse mandamento: Amarás seu
próximo como a ti mesmo? Se você respondeu sim, me diga como posso amar alguém
que desferiu mais de 50 facadas na sua ex-mulher e nas duas filhas dela?
Falo do Jorge Carlos da Silva, com quem conversei horas
depois do triplo homicídio. Essa é uma das várias atividades que um Defensor (a)
Público(a) tem que enfrentar na sua rotina de trabalho.
Estava de plantão durante o feriadão, quando na sexta-feira
o celular institucional tocou: era um familiar do suspeito relatando que ele
estava na sua casa e queria se entregar.
Fiz as primeiras perguntas para a cunhada dele e a orientei
a me ligar novamente após a prisão, já que essa se concretizaria em breve,
pois, os parentes não queriam que ele se entregasse, mas a polícia estava a sua
procura.
Quando cheguei na Delegacia de Homicídios e Proteção à
Pessoa Jorge já havia confessado, só não tinha dito o motivo e aonde estavam a
faca e as roupas que usava no momento do crime.
Pedi para conversar reservadamente com o meu cliente. Um dos
policiais quis me mostrar as fotos do triplo homicídio armazenadas em seu
celular. Dispensei a exibição.
Defensor (a) deve agir assim. É o único profissional que não
pode julgar um suspeito de crime. Todos os demais podem: o policial militar, o
civil, o delegado, o promotor, o juiz, a sociedade, mas o Defensor(a) não pode
julgar!
Algemado com as mãos para trás, confirmou cada palavra dita
ao delegado e aos policiais que estavam na sala. Segundo ele, após saber que a
Polícia estava em seu encalço, se dirigiu até a Base Comunitária do bairro
Pedra 90 e foi preso. Não sabia me apontar o motivo, nenhum motivo... Só me
afirmou uma coisa com muita certeza: a de que morreria para onde fosse levado.
Fiz várias perguntas sobre a vítima, o relacionamento com
ela, com as enteadas... Eu não conseguia acreditar que aquele homem havia
ceifado a vida de três pessoas do seu convívio...
Após militar durante 9 anos junto ao Conselho Estadual de
Defesa dos Direitos da Mulher, atuar na defesa da vítima junto a vara de
violência doméstica de Várzea Grande por quase 4 anos, proferir inúmeras
palestras defendendo a lei Maria da Penha, porque eu, justamente eu, tinha que
estar ali, naquele momento? Perguntei isso para Deus. Ele ainda não me
respondeu.
Acho que “Amar o próximo como a ti mesmo” seria uma resposta
plausível... mas será mesmo que tenho que amar... ou só procurar entender, me
colocar no lugar dele... Mas como? Como entender três assassinatos tão
violentos?
Os policiais me perguntaram qual seria a tese de defesa?
Respondi: Não serei eu quem fará a
defesa dele. Estou apenas acompanhando o flagrante. Provavelmente, diante da
confissão e das provas colhidas durante a instrução, a se confirmar, o(a)
Defensor(a) por dever de ofício e com ética fará a melhor defesa possível,
tentando excluir qualificadoras.
Sem entrar no mérito desse caso, penso que relacionamentos
doentios, destrutivos e perturbados devem causar desequilíbrios entre os
envolvidos.
Acho que tanto o homem como a mulher precisa de apoio
familiar e ajuda de um profissional da área de psicologia quando termina um
relacionamento conturbado.
Perguntado à Madre Tereza de Calcutá durante a entrega do
Prêmio Nobel da Paz em 1979: o que fazer para promover a paz mundial? Ela
respondeu: “Vá para casa e ame sua família”.
Ame sua família, não queira simplesmente tê-la sob seu
domínio e controle. Isso vale para os dois pólos de uma relação.
Tânia Regina de Matos
Defensora Pública do Estado de Mato Grosso
Defensora da Vara da Violência Doméstica de Várzea Grande
Atuando na defesa da vítima
Comentários
Tânia, vim te avisar que já foi lançada a campanha para o 5º BookCrossing Blogueiro que acontecerá do dia 08 ao dia 16 de Novembro.
Boa semana!! Beijus,