18 de Maio - Dia Nacional de Combate a Exploração Sexual de Crianças

O alarmismo prévio sobre a Copa do Mundo 2014 caiu por terra: não houve caos organizativo e nem aumento do turismo sexual, da exploração sexual de crianças e adolescentes e do tráfico de pessoas.


            Somente 23% das pessoas vistas, ouvidas ou a respeito de quem se lê nas notícias são mulheres; as mulheres permanecem extremamente sub-representadas na cobertura de notícias em comparação com os homens (77%), retratando um mundo em que elas se encontram ausentes, inclusive em termos de opinião e visão femininas. E tanto os homens como as mulheres são de cor branca e heterossexuais, demonstrando que a transversalidade não é pauta valorizada. Por outro lado, o alarmismo prévio sobre a Copa do Mundo 2014 caiu por terra: não houve caos organizativo e nem aumento do turismo sexual, da exploração sexual de crianças e adolescentes e do tráfico de pessoas. As diversas mídias colocaram no mesmo pacote, com requintes de moralismo, a prostituição voluntária, a exploração sexual de criança e adolescentes e o tráfico humano para fins sexuais.
            Esses são os principais resultados do projeto de monitoramento intitulado A mulher no noticiário brasileiro durante a Copa do Mundo 2014, uma iniciativa da ONG Rede Mulher de Educação, em parceria com a Universidade Metodista de São Paulo, com o apoio da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC, sigla em inglês), com sede em Toronto, no Canadá. Contou com a participação de 30 pessoas voluntárias Brasil afora, entre jornalistas, pesquisadoras(es), estudantes e ativistas - a maioria do sexo feminino (80%) -, que atuam em universidades e organizações não governamentais.
            A pesquisa - que abarcou cerca de 500 notícias do dia 23/6/2014, durante a Copa do Mundo 2014, de 26 estados e do distrito federal -  teve como objetivo o aprofundamento do estudo da representação das mulheres e dos homens no noticiário de jornais, rádio, TV e online, no que concerne aos estereótipos sexistas, racistas e de orientação sexual/ identidade de gênero. A iniciativa buscou documentar e instrumentalizar para alterar padrões estereotipados e incidir em políticas públicas. Considerou-se estratégica a escolha de uma data de monitoramento durante o período de realização da Copa do Mundo 2014, para analisar se os estereótipos discriminatórios que prevaleceram nas notícias na ocasião teriam ou não relação com o evento e se estaria comprovado o alarmismo disseminado previamente sobre o caos organizativo e o aumento do turismo sexual, da exploração sexual de crianças e adolescentes e do tráfico de pessoas.
            No Brasil, as estatísticas sobre violência de gênero são trágicas: 70% dos casos de violência acontecem dentro de casa; a cada cinco minutos uma mulher é espancada; a cada duas horas, uma mulher é assassinada; a cada 12 segundos, uma mulher é estuprada (50 mil mulheres são estupradas por ano no país, de acordo com o último estudo do Ministério da Justiça, realizado em 2012). Segundo uma das coordenadoras, Vera Vieira, da Rede Mulher de Educação e da Associação Mulheres pela Paz, "parte-se do princípio de que, por um lado, os estereótipos nas diferentes mídias podem contribuir para reforçar as desigualdades. A construção assimétrica de gênero, raça-etnia e orientação sexual/ identidade de gênero traz sérias consequências para toda a sociedade. A principal é a violência contra a mulher, que se materializa na vida cotidiana pela violência doméstica, violência sexual e tráfico de mulheres. Por outro lado, os mecanismos de intervenção podem fazer com que os veículos de comunicação se tornem instrumentos de transformação da realidade vigente". Para Sandra Duarte de Souza, também coordenadora da iniciativa, da Universidade Metodista, "as notícias abertamente estereotipadas demonstram que a mídia tem sido um dos mecanismos mais eficazes de afirmação de uma estética paradigmática para as mulheres, que afirma a prevalência dos corpos brancos, jovens e 'malhados'. Trata-se da aceitação cultural do controle sobre os corpos e de atitudes que não coloquem em risco a moral e os bons costumes".
           O material completo do monitoramento - com análise quantitativa e qualitativa, contribuições teóricas e registro de dois monitoramentos anteriores realizados em 2005 e 2010 -  encontra-se disponível na publicação eletrônica de 230 páginas, com o mesmo título A mulher no noticiário brasileiro durante a Copa do Mundo 2014, que pode ser acessada pelos sites:www.mulherespaz.org.br - portal.metodista.br - www.redemulher.org.br .

            Segue resumo completo dos resultados, bem como algumas reflexões:

→        Apenas 23% das notícias estão centradas nas mulheres.
→        As mulheres permanecem extremamente sub-representadas na cobertura de notícias (23%), em comparação com os homens (77%), retratando um mundo em que elas se encontram ausentes, inclusive em termos de opinião e visão femininas.
→        Pessoas brancas, em jornais impressos, aparecem quase cinco vezes mais que pessoas negras nas notícias; pessoas indígenas nunca aparecem ou não são mencionadas (metade da população brasileira é formada por pardos e negros).
→        Quando possível a identificação da orientação sexual/ identidade de gênero, em jornais impressos, pessoas heterossexuais aparecem 15 vezes mais do que pessoas homossexuais e 30 vezes mais do que transexuais.
→        A transversalidade de gênero, raça-etnia e orientação sexual/ identidade de gênero não é pauta valorizada.
→        As notícias não destacam claramente assuntos relacionados à igualdade entre mulheres e homens (91%)
→        As notícias não desafiam e nem reforçam os estereótipos femininos e/ou masculinos (85%)
→        A maior parte das notícias não merece análise adicional (71%).
→        As mulheres em noticiários são identificadas por seus relacionamentos familiares (esposa, mãe, filha), quatro vezes mais que os homens.
→        Em geral, há menos matérias apresentadas por repórteres femininas do que por repórteres masculinos.
→        Matérias apresentadas por repórteres femininas têm consideravelmente mais focos em temas femininos do que matérias apresentadas por repórteres masculinos, e questionam estereótipos de gênero quase duas vezes mais do que matérias de repórteres masculinos.
→        Comparando-se com o monitoramento anterior GMMP (2010), verifica-se que permanece inalterado o percentual de mulheres que são o centro das notícias. Houve, entretanto, uma redução drástica no percentual de matérias que reforçam estereótipos (de 48% para 9%), o que é um dado positivo.
→        As mulheres são protagonistas, de forma geral, quando as notícias envolvem violência e escândalo.
→        A perspectiva unicamente criminal nas notícias bloqueia o entendimento global da complexidade de fenômenos como a violência e a prostituição, por exemplo.
→        A mídia traçou um panorama prévio à Copa de caos organizativo, turismo sexual, exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico de pessoas. Na realidade, isso não ocorreu. A mídia também colocou “no mesmo pacote”, com requintes de moralismo, a prostituição voluntária, a exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico humano para fins sexuais.
→        A metodologia da WACC intitulada Projeto Monitoramento Global de Mídia (GMMP, sigla em inglês) continua a ser considerada a mais completa e abrangente, de análise de gênero nas notícias.
→        Os guias de monitoramento continuam a ser instrumentos importantes. Necessitam de constantes atualizações. Há a urgência de se elaborar um guia específico para as mídias digitais.
→        Números são importantes, mas a análise qualitativa de diversas notícias, possibilita entendimento aprofundado do fenômeno do sexismo, racismo e da homofobia.
→        Seria mais produtivo ter um número menor de voluntários(as), oferecendo-lhes uma pequena ajuda de custo para o monitoramento.
→        O rigor acadêmico se faz necessário no trabalho de coordenação, principalmente para a fase de sistematização dos resultados e de análise final.
→        Há a necessidade de se pensar em ações estratégicas de incidência para alterar os padrões vigentes, nos diferentes países, de forma continuada, incluindo manual que explicite as fases necessárias: gestão interna da comunicação, instrumentalização, leitura crítica e mecanismos de intervenção.
→        Especialmente em função da era digital, a comunicação mostra-se como um caminho de reformulação da agenda feminista, balizada por novas estratégias de intervenção política e de atuação, levando em conta outras dinâmicas e a revolução das formas de expressão pessoal e interpessoal. Os movimentos sociais e o próprio movimento feminista necessitam deixar de resistir a incorporar os meios de comunicação de massa em suas ações estratégicas, visando abarcar um público mais amplo, para além do gueto. Há que se aproveitar as brechas, como diz o teórico de estudos culturais latino-americano, Jesús Martin-Barbero. As mídias são a maior fonte de entretenimento e informação, o que requer qualificar o público para a leitura crítica.
→        Levar em conta que o debate sobre a qualidade de conteúdos está vinculado a um contexto mais amplo que diz respeito ao Direito à Comunicação. Não cabe atribuir às mídias a responsabilidade pelo sexismo/ racismo/ homofobobia e suas manifestações, o que não as isenta de cumprir sua função pública.
→        No Brasil, a discussão sobre a regulação dos meios se reduz à censura e restrição da liberdade de expressão. O marco regulatório das comunicações é que vai garantir mais liberdade de expressão (regulação econômica e de conteúdo). A lei que rege o setor, o Código Brasileiro de Telecomunicações, tem mais de 50 anos. A Constituição de 1988 estabelece princípios para os meios de comunicação de massa, mas o capítulo que trata disso até hoje não foi regulamentado. Convém lembrar  que 1/3 do Congresso Nacional está ligado direta ou indiretamente à concessionárias de rádio e TV. A sociedade civil criou um projeto de lei de iniciativa popular para propor um novo marco regulatório, que está em fase de recolhimento de assinaturas.

Comentários

Anônimo disse…
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