Resgate histórico da Defensoria Pública de Mato Grosso(parte I)
Faltam
aproximadamente 40 dias para a Defensoria Pública de Mato Grosso completar 20
anos de existência. Vou relatar aqui alguns fatos que não viram notícias porque
interessa mais para alguns setores da mídia divulgar vantagens e benefícios dos
funcionários públicos do que as dificuldades que enfrentam e os acontecimentos
que são relevantes para a população.
Em
2005 o núcleo de Várzea Grande foi transferido do antigo endereço para a atual
sede e de lá para cá, a estrutura física não mudou quase nada, muito embora o
número de atendimentos tenha aumentado exponencialmente devido à crise que
atinge o país.
A
placa indicativa é a mesma da inauguração, as paredes externas mantêm a mesma
tinta de 14 anos atrás. A minha sala onde trabalham dois estagiários, um assistente
e eu, só tem persiana, pintura conservada, papel de parede, impressora com
tinta, internet, água mineral e lenço de papel para enxugar as lágrimas dos
nossos assistidos porque eu pago por esses itens com dinheiro do meu bolso. O
sofá e todos os móveis que guarnecem o recinto são os mesmos da época da
mudança. Café e açúcar há muito tempo passaram a ser artigos de luxo e nos
quotizamos para comprá-los. Para conseguir trabalhar após alguém utilizar um
dos banheiros de uso comum é preciso esguichar um aromatizador de ambientes sem
dó e isso é pago com meu salário.
No final do ano passado tivemos sucessivas quedas de
energia em razão de que a rede não comporta mais o número de equipamentos de
informática que a sobrecarrega, o que ocasionou a suspensão do atendimento ao
público por alguns dias seguidos.
A grama em volta da nossa sede muitas vezes cresceu tanto
e sem poder renovar contrato com empresas terceirizadas tivemos que apelar para
a secretaria de serviços públicos do município para apará-la. A limpeza da
parte interna foi assumida pelas egressas do sistema prisional.
E
não pense que é má gestão do dinheiro público porque todos os administradores
(salvo apenas um) e coordenadores que estiveram à frente da nossa instituição e
do núcleo de Várzea Grande, souberam aplicar muito bem os parcos recursos
repassados à Defensoria Pública gerindo com competência valores absurdamente
menores do que aquilo que realmente necessitamos. Então... esses pequenos
detalhes não viram notícias...
Sabe
o que mais não vira notícia? Quando conseguimos liminares para internação em
UTIs de pessoas pobres que não têm como pagar planos de saúde restando ir para
a fila do SUS em busca de atendimento. Se o Governo edita um decreto emendando
os feriados, vira notícia, mas não vira notícia os plantões que fazemos aos
finais de semana e feriados prolongados incluindo Natal e Ano Novo onde
realizamos audiências de custódia.
E
por falar em audiências de custódia, que são atos presididos por juízes, mas
que foram criados pelo Congresso Nacional (deputados e senadores que você votou
– isso também não vira notícia) para aumentar vagas no sistema prisional porque
o Poder Executivo não deseja fazer investimento em construção de presídios (isso
também não vira notícia) e porque a mesma população que anseia pelos bandidos
irem para cadeia não querem estabelecimentos penais na sua cidade em razão de tirarem
a paz e a tranquilidade dos cidadãos de bem e de bens.
Rafael
Hitlodeu em diálogo com Tomás Morus, no livro A Utopia – O tratado da melhor
forma de governo – faz a seguinte observação: “Quem é o mais apressado em
subverter o estado de coisas existente, senão o que está descontente com sua
sorte? Quem se lança mais temerariamente no caminho da revolução senão quem nada
tem a perder e espera ganhar com a mudança?” Mas era só um Estado imaginário,
não devemos nos preocupar com isso.
No
dia 24 de fevereiro a Defensoria Pública de Mato Grosso como aniversariante que
é e pelo serviço que presta: acesso da população carente à Justiça deste rico
Estado da soja, aguarda por um presente.
Tânia
Regina de Matos
É
defensora pública em Várzea Grande, mestranda em Política Social pela UFMT.
Comentários