Como podemos analisar e conceituar “cidadania em direitos humanos na realidade brasileira”, a partir da reflexão apresentada pelo professor Milton Santos, com o estudo sobre Espaço do Cidadão?
Por TÂNIA REGINA DE MATOS, UFBA, Polo Vitória da Conquista, 2024
Escrevo
este texto no quarto de um hotel em San Pedro de Atacama, no Chile, um vilarejo
localizado no meio do deserto, entre alguns povoados indígenas. A atividade
proposta de analisar e conceituar
a cidadania em direitos humanos na realidade brasileira a partir da leitura de
Milton Santos me fez refletir sobre o processo histórico de
organização territorial de toda a América Latina, desenvolvida com a tecnologia
capitalista que ordena o crescimento econômico e a vida social/política das
sociedades (SANTANA FILHO e SOUZA, 2024).
Os
autores do E-book Espaço Humano e Espaço do Cidadão, geógrafos de
formação dialogaram com os ensinamentos do professor Milton Santos que pensa o
espaço geográfico como forma, estrutura, função e base teórica metodológica da
análise socioespacial nos levando a compreender que muitos habitantes não só do
Brasil como da América Latina nem sabem que são cidadãos.
A recente tragédia ocorrida no Rio Grande
do Sul deixando o saldo de 95 mortos, 131 desaparecidos, 372 pessoas feridas e
401 municípios afetados[1] mostra que pertencer a um
grupamento humano e ter direitos alienáveis nem sempre garantem na prática
o direito a um teto, à comida, à educação, à saúde, à proteção
contra o frio e contra a chuva, pois, 790 escolas foram afetadas por terem
sido danificadas, por problema de acesso ou até mesmo por estarem servindo de
abrigo para a população atingida. Ao todo, 273.155 estudantes ficaram sem aulas.
Existe uma cidadania desigual entre
os brasileiros desde que o processo de imigração começou a ocorrer em nosso
país. Após o século XIX houve um grande fluxo de imigrantes europeus,
sobretudo, italianos, poloneses e alemães. Esses colonos receberam glebas de
terra, onde desenvolveram principalmente o trigo e a uva, tendo como destino o
abastecimento do mercado local. Recentemente houve mudanças na configuração do
espaço agrário sulista, as policulturas deram lugar às monoculturas, em
especial, a soja. A produção deixou de ser destinada ao mercado regional para ser
exportada. Além disso, as propriedades que anteriormente eram de pequeno e
médio porte, tornaram-se grandes latifúndios, nas mãos de poucos fazendeiros e
empresas agrícolas, promovendo assim a concentração fundiária na região. O
trabalho deixou de ser predominantemente familiar para ser mecanizado.[2]
Muito
embora, os meteorologistas expliquem que as enchentes no Rio Grande do Sul são
consequências do encontro de três fatores: presença de uma forte corrente de
vento na região, corrente de umidade vinda da Amazônia e onda de calor central
no país,[3] não há como dissociá-los
das mudanças climáticas resultado da queima de combustíveis fósseis, prática
iniciada com a revolução industrial.
Com a abolição do feudalismo e a transição
para o capitalismo, nascia o homem do “trabalho livre”, vivendo num “lugar
livre”: a cidade, entretanto, dentro da construção neoliberal de ocupação e
expropriação do espaço dos Estados Modernos, existem diversos cidadãos e os que
ainda não são cidadãos (SANTANA FILHO e SOUZA, 2024). Conceituar cidadania em
direitos humanos na realidade brasileira é tirar da invisibilidade marcas do tráfico, da
escravidão e da exclusão de povos latino-americanos, em terras colonialmente
batizadas de África e América, apropriadas e expropriadas pela colonização
europeia entre os séculos XVI e XX (idem).
Num
dos passeios que fiz, a guia falou que os vulcões são deuses para os indígenas
e por isso eles se negam a abandonarem a região que é de alto risco, ou seja, há
motivos fortes que mantém esses povos vinculados ao território, o que
definitivamente não ocorre na maioria dos lugares sistematicamente invadidos
pelas águas durante fortes chuvas no Brasil.
Conheci
aqui no Chile dois casais brancos, héteros, de Passo Fundo, RS, fazendo
turismo. A maior preocupação de ambos externada era como voltariam
para casa, já que o aeroporto estava fechado. Que bom que esse gaúchos tinham uma habitação em boas
condições para retornarem...
REFERÊNCIAS:
SANTANA
FILHO, Diosmar Marcelino de. SOUZA, Elane B. de. Espaço humano e o espaço do
cidadão. Salvador: UFBA, Faculdade de Direito; Superintendência de Educação
a Distância, 2024.55 p
[1] https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/05/08/projecao-mostra-a-mancha-de-inundacao-do-rs-sobre-as-10-maiores-capitais-do-brasil-veja-mapas.ghtml
acesso em 08 de maio de 2024
[2] https://brasilescola.uol.com.br/brasil/a-producao-agricola-na-regiao-sul.htm
acesso em 08 de maio de 2024
[3] https://www.terra.com.br/noticias/educacao/enchentes-no-rio-grande-do-sul-entenda-causas-e-consequencias,573c953790a105a649b1b7a080f8f059faptr7ar.html
acesso em 08 de maio de 2024
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